Notas de leituras e jusdivagações pessoais
domingo, 6 de setembro de 2015
DIREITO DAS COISAS X DIREITOS REAIS
Para Flavio Tartuce:
- D. das coisas é aquele que se refere a todo tipo de relação jurídica entre pessoa humana e bem apropriável, entre eles a Posse e os Direitos Reais;
- Direitos reais dizem respeito à propriedade; são um dos tipos de Direito das Coisas
Direito das coisas é gênero; Direitos reais é espécie
Características dos direitos reais (MHD)
- oponibilidade erga omnes;
- direito de sequela, que segue a coisa;
- direito de preferência a favor do titular de um direito real;
- possibilidade de abandono, renúncia, dos direitos reais;
- viável a incorporação da coisa por meio da posse;
- usucapião como um dos meios de aquisição dos direitos reais;
- suposta taxatividade, um princípio da tipicidade legal dos direitos reais;
- princípio da publicidade dos atos, que se dá pela tradição ou pelo registro.
Direitos reais são absolutos? Em que sentido?
Sim, não por gerar um poder ilimitado dos proprietários sobre o bem, mas sim porque são oponíveis absolutamente contra todas as outras pessoas ("erga omnes") >>> ppio do absolutismo dos d. reais.
Os direitos reais são previstos em rol taxativo?
Não. Embora o que existe é uma tipicidade legal dos direitos reais, que são previstos inicialmente no art. 1.2.25 do CC, mas também em leis extravagantes. A vontade do legislador pode criar ou suprimir direitos reais, de acordo com as circunstâncias sociais e históricas.
Conceito/s de propriedade
A propriedade é o a faculdade, nos limites da lei, de usar, gozar e dispor da coisa, e reivindicá-la de quem injustamente a detenha.
Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5.º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade.
art. 1.228 do CC/2002: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”
GRUD
a) Faculdade de gozar ou fruir da coisa (antigo ius fruendi) – trata-se da faculdade de retirar os frutos da coisa, que podem ser naturais, industriais ou civis (os frutos civis são os rendimentos). Exemplificando, o proprietário de um imóvel urbano poderá locá-lo a quem bem entender, o que representa exercício direto da propriedade.
b) Direito de reivindicar a coisa contra quem injustamente a possua ou a detenha (ius vindicandi) – esse direito será exercido por meio de ação petitória, fundada na propriedade, sendo a mais comum a ação reivindicatória, principal ação real fundada no domínio (rei vindicatio). Nessa demanda, o autor deve provar o seu domínio, oferecendo prova da propriedade, com o respectivo registro e descrevendo o imóvel com suas confrontações. A ação petitória não se confunde com as ações possessórias, sendo certo que nestas últimas não se discute a propriedade do bem, mas a sua posse. O caput do art. 1.228 do CC possibilita expressamente que a ação reivindicatória seja proposta contra quem injustamente possua ou detenha a coisa. O exemplo típico envolve a ação proposta contra um caseiro, que ocupa o imóvel em nome de um invasor (injusto possuidor).
c) Faculdade de usar a coisa, de acordo com as normas que regem o ordenamento jurídico (antigo ius utendi) – esse atributo encontra limites na CF/1988, no CC/2002 (v.g., regras quanto à vizinhança) e em leis específicas, caso do Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).
d) Faculdade de dispor da coisa (antigo ius disponendi), seja por atos inter vivos ou mortis causa – como atos de disposição podem ser mencionados a compra e venda, a doação e o testamento.
Classificação
• Propriedade Plena ou Alodial – o proprietário tem consigo os atributos de gozar, usar, reaver e dispor da coisa. Todos esses caracteres estão em suas mãos de forma unitária, sem que terceiros tenham qualquer direito sobre a coisa.
• Propriedade Limitada ou Restrita – recai sobre a propriedade algum ônus, caso da hipoteca, da servidão ou usufruto; ou quando a propriedade for resolúvel, dependente de condição ou termo (art. 1.359 do CC). Alguns dos atributos da propriedade passam a ser de outrem, constituindo-se em direito real sobre coisa alheia. No último caso, havendo a divisão entre os referidos atributos, o direito de propriedade é composto de duas partes destacáveis:
a) Nua-propriedade – corresponde à titularidade do domínio, ao fato de ser proprietário e de ter o bem em seu nome. Costuma-se dizer que a nua-propriedade é aquela despida dos atributos do uso e da fruição (atributos diretos ou imediatos);
b) Domínio útil – corresponde aos atributos de usar, gozar e dispor da coisa. Dependendo dos atributos que possui, a pessoa que o detém recebe uma denominação diferente: superficiário, usufrutuário, usuário, habitante, promitente comprador etc. Por tal divisão, uma pessoa pode ser o titular (o proprietário) tendo o bem registrado em seu nome ao mesmo tempo em que outra pessoa possui os atributos de usar, gozar e até dispor daquele bem em virtude de um negócio jurídico, como ocorre no usufruto, na superfície, na servidão, no uso, no direito real de habitação, no direito do promitente comprador, no penhor, na hipoteca e na anticrese. Ilustrando de forma mais profunda, no usufruto percebe-se uma divisão proporcional dos atributos da propriedade: o nu-proprietário mantém os atributos de dispor e reaver a coisa; enquanto que o usufrutuário tem os atributos de usar e fruir (gozar) da coisa.
- conceito de domínio, que para muitos é sinônimo de propriedade (posição de F. Tartuce)
Para Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald:
- “O domínio é instrumentalizado pelo direito de propriedade. Ele consiste na titularidade do bem. Aquele se refere ao conteúdo interno da propriedade. O domínio, como vínculo real entre o titular e a coisa, é absoluto. Mas, a propriedade é relativa, posto ser intersubjetiva e orientada à funcionalização do bem pela imposição de deveres positivos e negativos de seu titular perante a coletividade. Um existe em decorrência do outro. Cuida-se de conceitos complementares e comunicantes que precisam ser apartados, pois em várias situações o proprietário – detentor da titularidade formal – não será aquele que exerce o domínio (v.g., usucapião antes do registro; promessa de compra e venda após a quitação)."
segunda-feira, 7 de janeiro de 2013
Interpretando o Brasil (parte 1): von Martius
O primeiro trabalho científico (com metodologia e objetos bem definidos) sobre o Brasil como nação coube a um estrangeiro, o alemão (então bávaro) Karl Friedrich von Martius (1794-1868), que visitou o país entre 1817 e 1820, visitando numa longa expedição de sul a norte, saindo do Rio e indo até mesmo ao Amazonas.
A obra que escreveu, Como se deve escrever a história do Brasil, foi motivada por um concurso para escolher o melhor projeto para elaborar uma história do Brasil, promovido em 1840 pelo recém-fundado IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), órgão criado elo imperador D. Pedro II como parte dos esforços de fomentar uma "nacionalidade" brasileira em contraponto ao ex-colonizador. von Martius escreveu seu trabalho em 1843, publicou-a em 1845 e a teve premiada como vencedora do concurso em 1847.
Entre as principais ideias ali expressadas estavam a de que o país teria que se fortalecer difundindo entre os brasileiros sentimentos de patriotismo e irmandade, atentando para a "peculiar" formação de nosso país, formado pela convergência de três "raças" (o índio, o branco e o negro) e de que a relação entre essas raças deveria ser levado em conta nesse projeto, propondo (ainda que não claramente) a imagem de um país mestiço que seria o grande tema de debates de nossos intérpretes posteriores no século XX.
Essa proposta de von Martius, que foi seguida quase à risca, adequa-se à teoria da construção artificial das nacionalidades, de Benedict Anderson, para quem a nação é "como uma comunidade política imaginada", sendo limitada simultaneamente pela geografia e pela própria mentalidade de seu povo.
A obra que escreveu, Como se deve escrever a história do Brasil, foi motivada por um concurso para escolher o melhor projeto para elaborar uma história do Brasil, promovido em 1840 pelo recém-fundado IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), órgão criado elo imperador D. Pedro II como parte dos esforços de fomentar uma "nacionalidade" brasileira em contraponto ao ex-colonizador. von Martius escreveu seu trabalho em 1843, publicou-a em 1845 e a teve premiada como vencedora do concurso em 1847.
Entre as principais ideias ali expressadas estavam a de que o país teria que se fortalecer difundindo entre os brasileiros sentimentos de patriotismo e irmandade, atentando para a "peculiar" formação de nosso país, formado pela convergência de três "raças" (o índio, o branco e o negro) e de que a relação entre essas raças deveria ser levado em conta nesse projeto, propondo (ainda que não claramente) a imagem de um país mestiço que seria o grande tema de debates de nossos intérpretes posteriores no século XX.
Essa proposta de von Martius, que foi seguida quase à risca, adequa-se à teoria da construção artificial das nacionalidades, de Benedict Anderson, para quem a nação é "como uma comunidade política imaginada", sendo limitada simultaneamente pela geografia e pela própria mentalidade de seu povo.
Marcadores:
Intérpretes do Brasil,
miscigenação
domingo, 6 de janeiro de 2013
Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, de Nilo Batista (parte 7)
O direito penal como direito público
Normalmente o direito penal objetivo é posicionado na esfera do direito público interno por conta dos supostos objetivos sociais gerais de suas normas (por seu conteúdo) ou então da exclusividade e imperatividade com as quais o Estado as impõe (aspecto formal).
É nisso que se baseiam os clássicos penalistas quando lembram que o direito penal objetivo só pode ser exercido pelo estado (Magalhães Noronha e Basileu Garcia) e ainda que o direito penal está relacionado ao direito público pelo "fato de atender, de maneira imediata e prevalecente, a um interesse de caráter geral" (Miguel Reale). Heleno Fragoso fundamenta essa inclusão "não só proque sua proteção refere-se sempre a interesses da coletividade, como também o Estado detém o monopólio do magistério punitivo, mesmo quando a acusação é promovida pelo ofendido".
Uma revisão dessas perspectivas supõe três linhas críticas: 1) a crítica da distinção a-histórica entre direito público e direito privado; 2) crítica do Estado como abstração a-histórica; e 3) a crítica do positivismo jurídico penal.
1) A distinção entre direito privado-direito público era completamente desconhecida das práticas penais primitivas, aparecendo pela primeira vez no direito romano (em Ulpiano), quando surgiu dos interesses privados do patriciado em tornar seus interesses "públicos", intermediados pelo governante. Depois da superposição desses dois eixos durante a Idade Média até o final do Absolutismo (senhor feudal era dono do imperium=direito público e do dominium=direito privado), essa distinção ressurgiu com toda força por conta dos interesses dos revolucionários burgueses, novamente mostrando a origem classicista dessa dicotomia.
2) Importante também questionar o Estado como promotor da "harmonia e da estabilidade sociais, visando o bem de toda a coletividade", cabendo desmistificar esse papel por conta que o Estado foi um produto de sociedades que, para resolver seus antagonismos inconciliáveis, estabeleceram um poder aparentemente acima da sociedade, mas dela originado e que na sociedade de classes tem apenas papel de manter uma ilusória comunidade de interesses, visto que protege primordialmente os interesses da classe dominante.
3) Cabe, finalmente, a crítica do positivismo jurídico-penal, que entende que o objeto de estudo do penalista deve ser exclusivamente o direito estatal, reducionismo vinculado a uma tradição ideológica do estado liberal. Sem dúvida alguma o objeto privilegiado do direito penal são as normas jurídicas estatais, mas não se pode olvidar a face ilegal do sistema penal (ditadura militar, violência policial, "lei dos criminosos"). O estudo do direito penal não pode, assim, circusncrever-se ao discurso legal do estado, perdendo-se na ilusória polaridade jusnaturalismo-positivismo, lembrando as palavras de Marilena Chauí: "Abstrações gêmeas, o positivismo jurídico toma o direito como fato, enquanto o jusnaturalismo o apreende como idéia", dissimulando o positivista a significação social em uma "ordem" posta a todos pela classe dominante, enquanto o jusnaturalista se perde na idealização imediata da Justiça, mantendo a gênese do justo fora do movimento social que o constitui ou que o dissimula, perdendo os dois o movimento histórico que de fato constitui a legalidade instituída. Ou seja, como fenômeno humano, o direito não pode radicar-se nem na coercitividade cega de sua própria validade, nem na miragem de uma justiça intermporal, mas apenas no concreto processo social-histórico em que se insere.
Ressalvando o caráter histórico-condicionado da distinção entre direito público e direito privado; feita a crítica do Estado como abstração a-histórica; e verificadas as limitações do positivismo jurídico-penal, é correto afirmar-se que o direito penal pertence ao direito público interno.
Normalmente o direito penal objetivo é posicionado na esfera do direito público interno por conta dos supostos objetivos sociais gerais de suas normas (por seu conteúdo) ou então da exclusividade e imperatividade com as quais o Estado as impõe (aspecto formal).
É nisso que se baseiam os clássicos penalistas quando lembram que o direito penal objetivo só pode ser exercido pelo estado (Magalhães Noronha e Basileu Garcia) e ainda que o direito penal está relacionado ao direito público pelo "fato de atender, de maneira imediata e prevalecente, a um interesse de caráter geral" (Miguel Reale). Heleno Fragoso fundamenta essa inclusão "não só proque sua proteção refere-se sempre a interesses da coletividade, como também o Estado detém o monopólio do magistério punitivo, mesmo quando a acusação é promovida pelo ofendido".
Uma revisão dessas perspectivas supõe três linhas críticas: 1) a crítica da distinção a-histórica entre direito público e direito privado; 2) crítica do Estado como abstração a-histórica; e 3) a crítica do positivismo jurídico penal.
1) A distinção entre direito privado-direito público era completamente desconhecida das práticas penais primitivas, aparecendo pela primeira vez no direito romano (em Ulpiano), quando surgiu dos interesses privados do patriciado em tornar seus interesses "públicos", intermediados pelo governante. Depois da superposição desses dois eixos durante a Idade Média até o final do Absolutismo (senhor feudal era dono do imperium=direito público e do dominium=direito privado), essa distinção ressurgiu com toda força por conta dos interesses dos revolucionários burgueses, novamente mostrando a origem classicista dessa dicotomia.
2) Importante também questionar o Estado como promotor da "harmonia e da estabilidade sociais, visando o bem de toda a coletividade", cabendo desmistificar esse papel por conta que o Estado foi um produto de sociedades que, para resolver seus antagonismos inconciliáveis, estabeleceram um poder aparentemente acima da sociedade, mas dela originado e que na sociedade de classes tem apenas papel de manter uma ilusória comunidade de interesses, visto que protege primordialmente os interesses da classe dominante.
3) Cabe, finalmente, a crítica do positivismo jurídico-penal, que entende que o objeto de estudo do penalista deve ser exclusivamente o direito estatal, reducionismo vinculado a uma tradição ideológica do estado liberal. Sem dúvida alguma o objeto privilegiado do direito penal são as normas jurídicas estatais, mas não se pode olvidar a face ilegal do sistema penal (ditadura militar, violência policial, "lei dos criminosos"). O estudo do direito penal não pode, assim, circusncrever-se ao discurso legal do estado, perdendo-se na ilusória polaridade jusnaturalismo-positivismo, lembrando as palavras de Marilena Chauí: "Abstrações gêmeas, o positivismo jurídico toma o direito como fato, enquanto o jusnaturalismo o apreende como idéia", dissimulando o positivista a significação social em uma "ordem" posta a todos pela classe dominante, enquanto o jusnaturalista se perde na idealização imediata da Justiça, mantendo a gênese do justo fora do movimento social que o constitui ou que o dissimula, perdendo os dois o movimento histórico que de fato constitui a legalidade instituída. Ou seja, como fenômeno humano, o direito não pode radicar-se nem na coercitividade cega de sua própria validade, nem na miragem de uma justiça intermporal, mas apenas no concreto processo social-histórico em que se insere.
Ressalvando o caráter histórico-condicionado da distinção entre direito público e direito privado; feita a crítica do Estado como abstração a-histórica; e verificadas as limitações do positivismo jurídico-penal, é correto afirmar-se que o direito penal pertence ao direito público interno.
Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, de Nilo Batista (parte 6)
As três acepções da expressão "direito penal"
Frequentemente no mesmo contexto, são três as acepções com que o termo "direito penal" costuma ser usado e entendido:
1 - Direito penal como o conjunto das normas jurídicas que, através da cominação de penas, estatuem os crimes e dispõem sobre seu próprio âmbito de validade, sobre a estrutura e elementos dos crimes, além da aplicação e execução das penas. É o direito penal objetivo, ou jus poenale, sendo o sentido de cunho normativo.
2 - Direito penal exprimindo a faculdade de que seria titular o Estado para cominar, aplicar e executar as penas, apreendida como direito penal subjetivo, ou o jus puniendi. É o sentido político da expressão e existe acirrada controvérsia doutrinária sob se existe, de fato, um direito penal subjetivo.
3 - Direito penal referindo-se ao estudo do direito penal como ciência, à apropriação intelectual de conhecimento sobre aquele conjunto de normas jurídicas ou aquela faculdade de Estado. É a acepção científica do termo. Vale lembrar que para o iniciante causa certa estranheza o fato de a ciência e de seu objeto terem o mesmo nome: "direito penal é a ciência que estudo o direito penal".
Feitas essas distinções, passa a ser importante estudar como se relacionam e se distinguem essas três acepções do direito penal: normativa, política e científica.
Frequentemente no mesmo contexto, são três as acepções com que o termo "direito penal" costuma ser usado e entendido:
1 - Direito penal como o conjunto das normas jurídicas que, através da cominação de penas, estatuem os crimes e dispõem sobre seu próprio âmbito de validade, sobre a estrutura e elementos dos crimes, além da aplicação e execução das penas. É o direito penal objetivo, ou jus poenale, sendo o sentido de cunho normativo.
2 - Direito penal exprimindo a faculdade de que seria titular o Estado para cominar, aplicar e executar as penas, apreendida como direito penal subjetivo, ou o jus puniendi. É o sentido político da expressão e existe acirrada controvérsia doutrinária sob se existe, de fato, um direito penal subjetivo.
3 - Direito penal referindo-se ao estudo do direito penal como ciência, à apropriação intelectual de conhecimento sobre aquele conjunto de normas jurídicas ou aquela faculdade de Estado. É a acepção científica do termo. Vale lembrar que para o iniciante causa certa estranheza o fato de a ciência e de seu objeto terem o mesmo nome: "direito penal é a ciência que estudo o direito penal".
Feitas essas distinções, passa a ser importante estudar como se relacionam e se distinguem essas três acepções do direito penal: normativa, política e científica.
sábado, 5 de janeiro de 2013
Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, de Nilo Batista (parte 5)
Direito "penal" ou direito "criminal"?
Ilícita é toda conduta humana que se opõe a uma norma jurídica, direta ou indiretamente. A toda norma infringida estipula-se uma sanção correspondente, e quando esta sanção é uma pena, o ilícito é chamado crime.
As sanções jurídicas têm geralmente caráter reintegrativo, visando a restabelecer a situação jurídica anterior, ou compensatório, visando a uma reparação quando for impossível voltar ao estado anterior. A pena tem caráter retributivo: ela implica infligir ao criminoso um mal que excede a simples reintegração ou compensação devidas, e isso se dá sob a perda ou restrição de bens jurídicos ou direitos subjetivos.
Voltando à questão do crime, o que torna um ato ilícito em crime é uma decisão política (legislativa) que o vincula a uma pena (para Jescheck, "crime é todo aquele comportamento humano que o ordenamento jurídico castiga com uma pena"). A pena não é uma simples "consequência jurídica" do crime, mas sim, antes disso, sua própria condição de existência jurídica.
O debate sobre a designação direito "penal" ou direito "criminal" seria uma questão cerebrina não fosse o concurso de três variáveis. A primeira é a influência da opção do legislador, sendo que entre nós, durante o império, tivemos um Código Criminal, e depois da República, sempre um Código Penal. A segunda variável diz respeito a modelos doutrinários que tendam a uma ou outra opção: a expressão direito penal acentuaria o caráter sancionador e punitivo deste direito, enquanto direito criminal ressalta a característica da transgressão grave. A terceira e mais importante variável diz respeito ao alcance descritivo da designação proposta, sua capacidade de compreender determinados conteúdos. Alguns autores defendem que Direito Criminal seria preferível por abranger também o direito processual e respectiva organização judiciária (Mestieri e Frosali), dizendo ainda que com as medidas de segurança, o direito penal não é "apenas o direito da pena" (Mir Puig).
Mas deve prevalecer mesmo a expressão direito penal, porque a pena é condição de existência jurídica do crime, não sendo apenas o conceito central dessa disciplina, mas sua presença é sempre limite daquilo que a ela pertença. Quanto às medidas de segurança, na prática têm caráter penal, pois constituem sanções com caráter retributivo. Conforme Heleno Fragoso: "não existe diferença ontológica entre pena e medida de segurança".
Ilícita é toda conduta humana que se opõe a uma norma jurídica, direta ou indiretamente. A toda norma infringida estipula-se uma sanção correspondente, e quando esta sanção é uma pena, o ilícito é chamado crime.
As sanções jurídicas têm geralmente caráter reintegrativo, visando a restabelecer a situação jurídica anterior, ou compensatório, visando a uma reparação quando for impossível voltar ao estado anterior. A pena tem caráter retributivo: ela implica infligir ao criminoso um mal que excede a simples reintegração ou compensação devidas, e isso se dá sob a perda ou restrição de bens jurídicos ou direitos subjetivos.
Voltando à questão do crime, o que torna um ato ilícito em crime é uma decisão política (legislativa) que o vincula a uma pena (para Jescheck, "crime é todo aquele comportamento humano que o ordenamento jurídico castiga com uma pena"). A pena não é uma simples "consequência jurídica" do crime, mas sim, antes disso, sua própria condição de existência jurídica.
O debate sobre a designação direito "penal" ou direito "criminal" seria uma questão cerebrina não fosse o concurso de três variáveis. A primeira é a influência da opção do legislador, sendo que entre nós, durante o império, tivemos um Código Criminal, e depois da República, sempre um Código Penal. A segunda variável diz respeito a modelos doutrinários que tendam a uma ou outra opção: a expressão direito penal acentuaria o caráter sancionador e punitivo deste direito, enquanto direito criminal ressalta a característica da transgressão grave. A terceira e mais importante variável diz respeito ao alcance descritivo da designação proposta, sua capacidade de compreender determinados conteúdos. Alguns autores defendem que Direito Criminal seria preferível por abranger também o direito processual e respectiva organização judiciária (Mestieri e Frosali), dizendo ainda que com as medidas de segurança, o direito penal não é "apenas o direito da pena" (Mir Puig).
Mas deve prevalecer mesmo a expressão direito penal, porque a pena é condição de existência jurídica do crime, não sendo apenas o conceito central dessa disciplina, mas sua presença é sempre limite daquilo que a ela pertença. Quanto às medidas de segurança, na prática têm caráter penal, pois constituem sanções com caráter retributivo. Conforme Heleno Fragoso: "não existe diferença ontológica entre pena e medida de segurança".
Leituras complementares: O CRIME DO RESTAURANTE CHINÊS - Carnaval, futebol e justiça na São Paulo dos anos 30, de Boris Fausto
"Em O crime do restaurante chinês, o historiador Boris Fausto recorre aos arquivos da história e da memória pessoal para narrar e analisar um dos acontecimentos policiais que mais mobilizaram a opinião pública paulistana. Ele era um menino quando, logo depois de um animado carnaval de rua, a cidade não falava de outra coisa: um homem negro era acusado de matar o ex-patrão e mais três pessoas com terríveis golpes de pilão.
O historiador narra o processo das investigações com a maestria de um romancista. O enredo lhe serve de mote para discutir vários temas cruciais para a historiografia do período. Um deles é a relação entre migrantes, imigrantes e trabalhadores marginalizados numa São Paulo cada vez mais populosa. Outro é a aplicação judicial e policial de doutrinas racistas, que então recebiam o endosso de cientistas de prestígio, e ajudaram a incriminar Arias de Oliveira, jovem negro do interior, ex-empregado do restaurante. Fausto comenta também o declínio do carnaval de rua paulistano, e, depois, a comoção futebolística que tomou conta da cidade com a participação da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1938. As fontes dessa reconstrução do passado são basicamente a memória do autor e os vários jornais e órgãos de imprensa que mobilizavam a opinião pública, muitas vezes com sensacionalismo.
A análise de Fausto ajuda o leitor a perceber o "fio da sensibilidade" que ligava o carnaval, os assassinatos hediondos e a Copa do Mundo. Por meio dele, seria possível até que a figura antes temida de Arias terminasse associada à do adorado Leônidas, outro brasileiro negro, goleador da seleção nacional nos campos da França."
Fonte: site da Companhia das Letras
Leitura obrigatória (em algum momento...)
Outro pensamento:
"O mais alto grau da injustiça é não ser justo e, todavia, parecê-lo".
(Tobias Barreto, jurista brasileiro, 1839-1889)
Assinar:
Postagens (Atom)