sábado, 29 de dezembro de 2012

As raízes sociais da filosofia do Direito, de Alaôr Caffé Alves

Alaôr Caffe aborda em seu texto a conexão entre Filosofia e a as questões sociais, entre pensamento e realidade, propondo que é preciso compreender o mundo para poder mudá-lo.
Para saber qual a característica de determinado pensamento, qual a linha filosófica e as bases ideológicas adotadas por um pensador , não se pode deixar de considerar a realidade em que ele viveu, já que existe uma conexão intensa entre pensamento e realidade social.
As relações sociais não são apenas interpessoais, entre seres humanos, mas também mediadas por bens ou coisas existentes no mundo, as relações chamadas estruturais.
Numa concepção tradicional, funcionalista ou organicista, a realidade das relações sociais se manifesta de forma essencialmente harmônica, mas não é o que se percebe ao analisarmos de perto a realidade, visto que dentro do corpo social existem contradições e antagonismos entre as forças e grupos sociais. E é através das relações estruturais sobretudo que se caracteriza não só o processo de produção dessa sociedade, mas também a diferenciação entre os grupos, entre as classes sociais. E essas relações vão influir expressivamente na maneira de pensar dos homens, na forma pela qual as elites e o povo entendem e realizam a cultura.
O pensamento filosófico está enraizado no processo histórico-social e reflete, inevitavelmente, os conflitos dos valores e dos interesses hegemônicos com os das parcelas dominantes da sociedade. O saber filosófico é diferente do saber científico, já que a ciência basicamente tem a sua apuração calcada na perspectiva da observação e da experiência. A ciência deve permanecer nos limites do empírico. A filosofia parte da experiência, as a transcende, vai além da experiência singular.
A questão ética, de cunho filosófico, entretanto não refoge à dimensão objetiva da realidade concreta, pois está muito bem definida em função dessa mesma realidade. Não é possível pensar a ética sem pensar a estrutura social. O conflito entre as classes sociais não é apenas quanto às suas ações, mas também quanto à concepção que têm do próprio mundo. Em função dessas concepções, temos as ações sociais diferenciadas e às vezes também ações bastante críticas. As forças do capital são muito mais fortes do que os bons desejos dos indivíduos ou dos grupos, ainda que pertencentes à elite governante, então muita ações não podem ser vistas apenas sob o ponto de vista da ética, mas das necessidades estruturais de determinada sociedade, como por exemplo, não considerar como bons ou maus os norte-americanos, ou seu presidente, por fazerem a Guerra do Iraque. 
A Filosofia coloca-nos profundas questões de existências, questões de grande significação para o homem e que não podem ser resolvidas com a mera lógica. Nelas, a lógica racional deve ceder lugar à lógica do razoável, que é a lógica do sentimento, da busca de valores.
A razão tem que ser ampliada quanto à sua concepção e ao seu alcance, não devendo mais ser a razão solitariamente racional, razão pura, mas a razão em que caiba, nela mesma, a dimensão afetiva, da vontade e dos valores, que são outras dimensões diferentes das representações puramente intelectuais cujos critérios são apenas a falsidade e a verdade.
A questão da liberdade é fundamental em Filosofia e tem relação com a estrutura social, com o poder econômico dos indivíduos. A liberdade está também relacionada às condições materiais da vida das pessoas. significa que a liberdade depende também da situação de classe em que as pessoas se situam. A liberdade não é lago que se tem ou não s e tem, ela comporta graduação, não é absoluta. E a filosofia ajuda a pensar nisso, não apenas para descobrir isso, mas também para agir e transformar o mundo social.
Cabe à Filosofia do Direito o papel de ajudar a entender que o direito tem até certo ponto a função de manter as coisas como elas estão, já que os homens que criam o direito posto o criam em seu interesse, segundo o sistema em que estão inseridos.
Uma importante questão da filosofia do direito é a relação entre norma e justiça. A questão da justiça não é apenas ideal ou teórica, não concerne apenas a um pensamento abstrato ou neutro. Ela também está ligada fundamentalmente às estruturas materiais da sociedade, às condições pelas quais se produz exatamente a vida material da sociedade. 
Ao consumirmos produtos já produzidos, vemos as coisas estáticas, paradas, terminadas. Não vemos o processo produtivo social pelo qual se fazem as coisas. E se não se vê o processo, não se vê a história; e se não se vê a história, não se veem as contradições do momento social. Em direito somos vítimas das ilusões jurídicas coisificadas. Kersen sempre fala em norma como resultado, como produto posto, mas não se ode parar aí, sem se questionar por que foi feita a norma, por quem, para quem se destina. Na verdade, o que interessa, para obter-se a justiça na aplicação do direito, é a norma procurada além de sua estrutura lógica. A dinâmica da produção normativa é histórica e social, daí a importância de lançarmos nossos olhos para além do direito positivado, do direito posto de modo dogmático, para buscar o direito pressuposto, tão real quanto o positivo. E se fizermos isso, explicamos melhor e mais profundamente o direito.
O direito vai se transformar quando a realidade social se transformar, porque se transforma o direito de conformidade com as dimensões e práticas sociais, com a estrutura social, e se ela vai se transformando, o direito vai se transformar, pois o próprio direito está calcado na estrutura socioeconômica definida. 
É preciso interpretar para ajustar a letra da lei às condições e exigências de uma estrutura social, cada vez mais densa, mais intensa, mais complicada e dinâmica. E a hermenêutica jurídica não pode ser apenas uma hermenêutica da literatura, mas uma hermenêutica dos fatos, que não depende apenas um de uma visão global e abstrata dos fatos, mas de quem interpreta esses fatos, e de que ponto de vista, pois alguns interpretam de um ponto de vista conservador e outros, de um ponto de vista progressista.
As relações entre o pensamento e a realidade social permitem-nos compreender a forma pela qual as pessoas veem, interpretam e avaliam seu mundo social.
Diz-se que a democracia provê formas de atuação coletivas contra o autoritarismo, mas penso que a democracia, como expressão política de um abrangente consenso de pessoas numa comunidade, opõe-se não contra a força política de um ditador, mas sim contra as forças do mercado. E a única forma de face face às disfunções do mercado, de ultrapassar seus efeitos perversos, é ir além da democracia representativa e utilizar o mecanismo da democracia participativa. Por esse meio político, pretende-se neutralizar ou diminuir o efeitos maléficos do mercado, obtendo-se uma melhor distribuição das decisões, e consequentemente das riquezas, dentro de uma sociedade. 










Um comentário: