Apresentação (por Emílio Garcia Mendez)
Introdução... entrega ao leitor as chaves necessárias para desarticular criticamente um direito penal com ênfase no enfoque lesa-majestade, fornecendo a possibilidade de reconstrução de um verdadeiro direito penal das garantias. Dos muitos méritos deste trabalho, elejo "arbitrariamente" um. O enfoque de Nilo Batista permite superar o debate estéril entre uma visão pan-penalista da vida social e um abolicionismo total e imediato do sistema penal.
O segredo da receita é simples: considerar seriamente os direitos e garantias, aprimorar as técnicas de defesa jurídica da sociedade civil e decifrar os enigmas da dogmática jurídica, para torná-lo acessíveis aos movimentos sociais.
“O homem não existe para a lei, mas sim a lei existe para o homem”.
Karl Marx
1 – Direito Penal e sociedade
É comum a todos os trabalhos sobre direito penal observar as relações entre sociedade e direito. Certamente os homens sempre se moveram dentro de sistemas de regras, mas convém questionar imediatamente as formas de aparição histórica do direito. O mais grave risco idealista de quem se esquece disso é o chamado “universalismo a-histórico” (Miaille), como se a história do direito fosse destacada e autônoma do contexto histórico em que esse direito foi produzido, servindo para compor um conjunto de noções válidas para qualquer época e sociedade.
É decisivo advertir-se para a “essência econômica” que subjaz às definições jurídicas abstratas, compreendendo o verdadeiro processo social de criação do direito. (Poulantzas).
Já dizia Tobias Barreto que “não existe um direito natural, mas há uma lei natural do direito” e que “tudo é produto dele mesmo [do homem]”, do seu trabalho, da sua atividade”. Tobias Barreto, antecipando-se às ideias jurídicas de sua época, concebia o direito não é alvo revelado ao homem, nem descoberto por sua razão, mas sim produzido pelo grupamento humano e pelas condições concretas em que esse grupamento se estrutura e se reproduz.
O direito penal vem ao mundo (é legislado) para cumprir funções concretas dentro de e para uma sociedade que concretamente se organizou de determinada maneira.
No marco da proteção e da continuidade da engrenagem econômica dessa ordem política e social, estará a contribuição do respectivo direito. Para a boa parte do trabalhos introdutórios ao DP, fica evidenciada a característica finalística do direito penal, que existiria para cumprir finalidades, para que algo se realize. É importante conhecer essas finalidades para conhecer bem o direito penal.
Afirmamos então que o direito penal é disposto pelo estado para a concreta realização de fins; toca-lhe, portanto, uma missão política, que os autores costumam identificar, de modo amplo, na “garantia das condições de vida da sociedade”, ou “na finalidade de combater o crime” (Damásio), ou na “preservação dos interesses do indivíduo ou do corpo social” (Heleno Fragoso). Tais fórmulas não devem ser aceitas com resignação pelo iniciante. O combate que o direito penal pode oferecer ao crime praticamente se reduz (pelo precário desempenho do efeito intimidador) ao crime acontecido (sendo mínima sua atuação preventiva) e registrado (criminalidade aparente).
A função do direito de estruturar e garantir determinada ordem econômica e social é habitualmente chamada de função “conservadora” ou de “controle social”, sendo esta a função preponderante do direito penal, dentro todas as outras.
Conhecer as finalidades do direito penal, que é conhecer os objetivos da criminalização de determinadas condutas praticadas por determinadas pessoas, e os objetivos das pena não ultrapassa a área de atuação do jurista, pois essa indagação comparece em vários momentos da atividade do jurista (interpretação, teoria, debate da pena), não poderia deixar de dirigir-se ao direito penal como um todo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário