sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Introdução crítica ao Direito Penal Brasileiro, de Nilo Batista (parte 3)

Criminologia

Criminologia é "a atividade intelectual que estuda os processos de criação das normas penais e das normas sociais que estão relacionadas com o comportamento desviante; os processos de infração e desvio destas normas; e a reação social, formalizada ou não, que aquelas infrações ou desvios tenham provocado: o seu processo de criação, a sua forma e conteúdo e os seus efeitos". (Lola Aniyar de Castro).
Em geral, nossos manuais de ensino de direito penal conceituam criminologia como um conjunto de conhecimentos cujo objetivo é o exame causal-explicativo do crime e dos criminosos, chegando por vezes a ser questionada (segundo René Ariel Dotti, no Brasil, sob o influxo do pensamento de Nélson Hungria, a criminologia "caiu em desgraça na órbita jurídica").
Esse desprezo e prevenção contra a criminologia se explica pela prática jurídica positivista de literalmente criar dois mundos epistemologicamente incomunicáveis entre o ser e o dever-ser, entre o mundo real e as lucubrações jurídicas, levando ao um desdém pela realidade, num intencional isolamento.
Mas na verdade ser e dever-ser relacionam-se como fato e valor, numa relação de totalidade dialética, e por essa perspectiva o saber criminológico e o saber jurídico-penal se comunicam permanentemente.
Revendo o conceito de criminologia proposto inicialmente por Aniyar de Castro, delineamos os seguintes aspectos: 1. a sociologia do direito penal e do comportamento desviante; 2. a etiologia [estudo das causas] do comportamento delitivo e do comportamento desviante; 3. a reação social, incluindo as penas e outras medidas, além da análise das instituições que as executam.
Quando a criminologia positivista não questiona a construção política do direito penal (como, por quê e para quê se ameaçam determinadas condutas), a aparição social  de comportamentos desviantes, nem a realização social desse direito, ela cumpre um importante papel político que é o de legitimação da ordem estabelecida. a criminologia oficial tem uma série de falhas, dentre as quais: a) tratar o evento criminal como episódio individual; b) respaldar a ordem legal como a ordem natural; c) tematizar um "homem delinquente" que, ao lado dos "loucos morais", viola a ordem legal/"natural"; d) ter na sua metodologia o centro e o limite de sua atividade científica; e) conceber de forma mecanicista os fatos sociais, produzindo explicações com base em relações causais. Isso em nome da aparente neutralidade do cientista social estudioso dos fenômenos criminais, indiferente às tensões da realidade social.
A Criminologia Crítica, ao contrário, não aceita como inquestionável o código penal, mas investiga como, por quê e para quem (contra quem X em favor de quem) se elaborou este código e não outro. Ela não se delimita às definições legais de crime, mas se interessa por outros comportamentos que implicam forte desaprovação social (desviantes). Procura ainda verificar o desempenho prático do sistema penal, qual sua real missão e como estão estruturados os instrumentos formais de controle social (hospícios, escolas, institutos de menores etc.). Além disso, a Criminologia Crítica insere o sistema penal - e sua base normativa, o direito penal - na disciplina de uma sociedade de classes historicamente determinada e trata de investigar, no discurso penal, as funções ideológicas de proclamar uma igualdade e neutralidade desmentidas pela prática.



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